Diretor educacional daniel
Daniel Souza Lima
Médico Cirurgião do Trauma do Departamento de Emergência do Hospital Instituto Dr. José Frota (IJF)
Diretor Educacional da Tuttoria

ABC score: um gatilho de hemotransfusão no trauma

transfusão maciça
A doença trauma persiste como um grave problema mundial, principalmente em países como o Brasil, que sofrem com a violência interpessoal e a violência do trânsito. São cerca de 160 mil vidas perdidas anualmente em nosso país devido as causas externas, ou seja, trauma. As estimativas indicam que a cada hora são 18 mortes!
Dos pacientes que são atendidos pelas equipes de atendimento pré-hospitalar e chegam vivos na sala de emergência, a principal causa de morte é a perda extrema de sangue. A morte nestes casos chega precocemente, em média 2 horas após a admissão. Portanto, o controle cirúrgico da lesão exsanguinante é prioridade no atendimento.
Na fase da avaliação inicial, sendo ainda mais específico no exame primário, as condições que ameaçam a vida devem ser identificadas e tratadas. Uma das estratégias ponte para o tratamento cirúrgico deste paciente grave é a reposição volêmica. Os estudos e as experiências médicas, tanto no ambiente militar, como no civil, mostram que o melhor líquido de reposição a ser instituído precocemente é sangue. O que fortalece um pensamento simples: “Se o paciente perde sangue, ele precisa de sangue”. Neste contexto, o desenvolvimento do protocolo de transfusão maciça (PTM) tornou-se padrão em Centros de Trauma em países como os Estados Unidos. No Brasil, vários hospitais que são referência de atendimento à vítima de trauma, já possuem implantando o PTM. Como exemplo, podemos citar o Instituto Dr. José Frota (IJF), em Fortaleza (CE) e considerado um dos maiores hospitais de trauma e emergência do Norte e Nordeste.
conceito de transfusão maciça
Recentemente, um estudo de Meyer et al. verificou que o atraso na ativação da transfusão maciça e no tempo de oferta inicial dos hemocomponentes foi relacionado com resultado desfavorável em relação ao controle hemostático e mortalidade. ATLS ressalta a importância da transfusão maciça, inclusive com lugar de destaque na tabela de classificação de choque hemorrágico. Em 2009, um estudo de Nunez et al. publicado no Journal of Trauma propôs um score mais simples, em relação aos utilizados, para identificação do doente traumatizado que necessitava iniciar uso de hemoderivados de forma precoce e que possivelmente receberia transfusão maciça. Este score foi denominado ABC (Assessment of Blood Consumption) e diferente dos que utilizam parâmetros laboratoriais, ele utiliza critérios mais simples e rápido de ser obtido. Na época do estudo, o ABC score foi comparado com o Trauma Associated Severe Hemorrhage (TASH) score e com o McLaughlin score.
Os parâmetros utilizados pelo ABC score são: pressão arterial sistólica (PAS), frequência cardíaca (FC), trauma penetrante do tronco e FAST (focused assessment of the sonography of trauma). No quadro abaixo, observa-se cada parâmetro e os critérios de pontuação de acordo com seus achados. Observe que todos os itens são estabelecidos na beira do leito.
Mecanismo Penetrante (0 não, 1 sim)
PAS ≤ 90 mm Hg (0 não, 1 sim)
FC ≥ 120 bpm (0 não, 1 sim)
FAST Positivo (0 não, 1 sim)
Quando o resultado foi 2 pontos, a especificidade foi de 86% e de 100% quando a pontuação alcançava o valor máximo 4. Como podemos observar no gráfico abaixo, em relação ao índice de transfusão maciça e o resultado do ABC score. Atualmente, quando se utiliza este score, o acionamento da transfusão maciça é realizado com valor ≥ 2 pontos.
Gráfico. Índice de transfusão maciça e o ABC score. Extraído do estudo de Nunez et al.
Na mesma proposta de simplicidade e facilidade do ABC score, há também o Shock Index (SI) score. Este utiliza a relação entre FC/PAS, obtendo-se resultado abaixo ou acima de 1. O SI é considerado um indicador de correlação com grau do choque, perfusão tecidual e performance ventricular esquerda. Assim como o ABC score, o SI é considerado um preditor confiável de transfusão maciça. O resultado da relação FC/PAS ≥1, indica o início do PTM. Em 2018, Schroll et al. publicaram um estudo comparando o ABC score e o Schock Index, com objetivo de verificar qual seria o melhor preditor precoce de transfusão maciça. No estudo, ambos foram efetivos como preditores de transfusão, mas o SI mostrou-se com maior sensibilidade e que exige menos habilidades para sua execução.
A capacidade clínica de reconhecimento precoce de um paciente em choque hemorrágico, associando dados da história, cinemática do trauma, exame físico e sinais vitais, certamente é uma habilidade fundamental a ser desenvolvida entre os profissionais que atuam na emergência. Alguns Centros de Trauma utilizam o julgamento clínico para tomada de decisão do início do PTM, mas essa subjetividade dificulta a padronização das condutas. Neste ponto, os escores, como ABC, são excelentes ferramentas táticas que padronizam o atendimento do paciente com hemorragia grave.
Referências
1. LIMA, D.S. Emergência médica: suporte imediato à vida. Fortaleza: Ed.Unichristus, 2018.
2. NUNEZ, T.C. et al. Early Prediction of Massive Transfusion in Trauma: Simple as ABC (Assessment of Blood Consumption)?. J Trauma, v.66, n. 2, p. 346 –352, 2009.
3. CANTLE, P.M. and COTTON, B.A. Prediction of Massive Transfusion in Trauma. Crit Care Clin, v.33, p. 71–84, 2017.
4. MOTAMENI, A.T. et al. The use of ABC score in activation of massive transfusion:the yin and the yang. J Trauma Acute Care Surg. v. 85, n. 2, p. 298–302, 2018.
5. SCHROLL, R. et al. Accuracy of shock index versus ABC score to predict need for massive transfusion in trauma patients. Injury, Int. J. Care Injured, v. 49, p. 15–19, 2018.
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